6 de abr. de 2011

Pós-venda de chineses ainda é problemática

As marcas da China crescem, mas falta a peça fundamental para se estabelecer: um bom sistema de pós-venda
Carina Mazarotto // Fotos: Marcos Camargo
Marcos Camargo
Effa M100 foi presente para a filha, mas irritou comerciante após só trazer problemas
Preços atrativos e boa oferta de equipamentos colocaram as marcas chinesas entre as 20 mais vendidas no país. Chery e Hafei já superam BMW e Mercedes-Benz. A JAC veio com tudo no mês passado, e as novas Brilliance, Great Wall e Haima chegam ainda neste semestre. Os bons resultados animam os grupos de importação. Até aí, tudo certo. Mas não basta vender bem. “Como já dizia Henry Ford, a venda começa na oficina”, lembra Luiz Carlos Mello, diretor do Centro de Estudos Automotivos (CEA).

Sábio Henry Ford! A reflexão é básica: cliente satisfeito é cliente fiel. Se os chineses aprenderam? Ainda não. Para testar a eficiência dos serviços das marcas bastam alguns telefonemas. Faça você mesmo: ligue para as concessionárias e solicite um orçamento de peças. Só não espere retorno rápido – infelizmente, até as montadoras tradicionais ainda cometem essa falha. O mais grave problema dos chineses é outro tipo de espera. “Das peças que você me pediu, tenho apenas uma, o filtro de ar. As outras demoram de 30 a 60 dias”, disse uma funcionária da Chery, em São Paulo.
Esse é apenas um exemplo. Durante duas semanas, ligamos para mais de 20 concessionárias Chery, Effa e Lifan (priorizamos as que vendem carros de passeio), em diversos estados do país. Nossa meta era saber os preços e prazos de entrega de uma cesta básica de peças, com oito itens. Depois de esperar dias por retorno e ouvir incontáveis “pode retornar depois?”, “a fábrica ainda não me deu resposta” e “ih, todas as peças têm demora”, ficou difícil acreditar que ao menos essas empresas estão realmente preparadas para prestar serviços de qualidade.
Marcos Camargo
César Garini vai devolver o carro ao banco: prefere perder dinheiro a seguir com o Effa M100. "É tudo de ruim"
Com a “banana”, o consumidor. Furioso, o comerciante César Duílio Garini, 54 anos, da foto acima, entrou na Justiça para se desfazer de um Effa M100 modelo 2007. “Estou devolvendo o carro para o banco”. Há dois anos, quando os primeiros Effas chegaram ao país, Garini decidiu comprá-lo para sua filha. Fez um leasing no valor de R$ 22 mil, e pagou quase tudo. “Mas prefiro perder dinheiro a continuar com um carro que não anda”. A convivência com o carro foi um pesadelo. “Começou com um problema no câmbio, só aí ele ficou 30 dias parado.” Depois, foi a válvula termostática, o motor, entre tantos outros incômodos. Ironicamente, durante a produção das fotos, o carro enguiçou. “Não falei?”
O preço convidativo do M100 (R$ 25.980) também atraiu a carioca Maria Renata França, 28 anos, que trocou seu Ford EcoSport pelo chinês em janeiro deste ano. “Eu tinha lido muitas opiniões horríveis, mas não tive problema algum, estou adorando.” O carro rodou apenas 3,2 mil km. Mas logo mais Renata pode enfrentar a inconveniência da falta de rede. “Só há uma oficina no Rio, em Irajá, e para agendar minha primeira revisão precisei aguardar por data.”
O Grupo Effa Motors, que importa veículos Effa e Lifan, tem um centro de distribuição de peças em Barueri, interior de São Paulo, que atende 73 concessionárias Effa e 20 da Lifan, recém-chegada ao país. A empresa diz trazer 20 mil peças por mês da China. “O índice de falta de estoque é menor que 0,1%”, garante Bruno Ferreira, diretor financeiro. Mas com uma simples busca na internet é possível encontrar inúmeras reclamações de consumidores. Como? “Aprendemos com nossos erros e buscamos melhorias.” Segundo o executivo, a empresa, que começou a importar Effa em 2007, iniciou uma ampla reformulação na distribuição de peças em 2010, o que inclui investimentos em tecnologia e transporte dos componentes, que agora não chegam apenas por navio, mas também por avião, dependendo da urgência dos pedidos. Ferreira garante ainda que, até abril, todas as revendas serão obrigadas a ter oficina própria e estoque de peças mínimo.
Marcos Camargo
Problema atrás de problema: casos como o de Margarete, dona de um Chery Face, se multiplicam nas redes sociais
Equilibrar o investimento em estoque de peças e sua disponibilidade aos clientes é um grande desafio das empresas. Quanto mais peças, menor o risco de desabastecimento. Mas há complicações, como o custo alto de estoque. Estima-se que apenas 5% das peças de reposição têm alto giro. “É uma parte complexa do negócio. Mesmo as marcas tradicionais, com mais tempo no mercado, ainda enfrentam problemas”, afirma Luís Curi, presidente da Chery do Brasil. Segundo Arnaldo Oliveira Jr., especialista em pós-vendas do CEA, essa é uma equação difícil, mas há soluções boas quando se tem conhecimento e tecnologia. “O essencial é ter vontade de servir.”
Vontade de servir não apenas no momento de vender o carro. “O tratamento da concessionária mudou completamente quando começaram a aparecer os problemas”, conta a decoradora Margarete Munari, 43 anos. Em junho do ano passado, Margarete trocou seu Prisma por um Chery Face, de olho no custo-benefício. Em 15 dias, voltou à revenda com um “barulho terrível” no freio. Segundo os técnicos, “era algo normal”. Depois o sistema de ventilação pifou. Um dia, enquanto fazia uma curva em baixa velocidade, a direção travou e Margarete bateu o carro na guia. “Eles dizem que foi culpa minha”.
A Chery tem hoje 74 concessionárias com serviço de assistência técnica. Algumas peças foram nacionalizadas, como filtro de ar, velas e palhetas. Todos os meses, 11 contêineres de peças são trazidos da China. Mesmo assim, casos como os de Margarete se multiplicam nos sites de reclamações e redes sociais. “Nunca foi falta de peça. Tínhamos um problema interno, que foi corrigido com mudanças no departamento e tecnologia”, diz Curi.
Note que Chery e Effa usam os mesmos argumentos para justificar tantos problemas. Segundo Valdner Papa, professor do curso de Gestão de Concessionárias da ESPM, vivemos a terceira versão do mesmo filme. “Os japoneses chegaram sem qualidade e levaram dez ou 12 anos para se tornar um dos melhores do mercado. Os coreanos também, mas não levaram tanto tempo assim. O tempo dos chineses provavelmente será menor ainda”. Vamos torcer.

EM DOIS ANOS, O M100...
- Apresentou problemas no câmbio, para-brisa, válvula termostática, amortecedores, maçaneta e cabeçote;
- Ficou mais de cinco meses parado;
- Valia R$ 22 mil, hoje é vendido por R$ 15 mil
UM ANO DE CHERY FACE:
- Em 15 dias, barulho no freio;
- Depois o sistema de ventilação pifou, o para-brisa quebrou e a direção... travou!
- Barulhos continuam, vidro do motorista não fecha
A VOZ DO CONSUMIDOR
- Casos de clientes insatisfeitos se espalharam pela internet. Basta fazer uma pesquisa rápida nos sites de reclamações e redes sociais. Os depoimentos assustam: tem gente até “doando” o carro por aí.
- Alguns reclamam de baixa qualidade do produto, outros de falta de peças e demora na assistência técnica. Mas há algo que irrita qualquer um: a falta de retorno das marcas. Acordem, chineses!

Fonte:revistaautoesporte
Disponível no(a):http://revistaautoesporte.globo.com/

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