Estamos a 120 km/h e o conta-giros marca apenas 1.500 rpm. Silêncio quase entediante, conforto total, enorme reserva de potência, consumo de combustível instantâneo perto dos 13 km/L. Com um único tanque de gasolina, o novo 300C é capaz de cobrir mais de 800 quilômetros de distância, e todas as suas comodidades internas parecem talhadas para a missão.
Difícil imaginar algo mais adequado para dar de presente ao meu pai. Mas o que acontece quando você resolve acelerar essa barca de cinco metros e quase duas toneladas um pouquinho mais forte?
A resposta surpreende qualquer um que ficar decepcionado com o fato de que, pelo menos por enquanto, as siglas 300C e HEMI não andarão juntas por aqui. O motor Pentastar V6, hoje quase onipresente nas linhas Jeep, Dodge e Chrysler, traz uma evolução brutal em relação aos V6 de 2,7 e 3,5 litros da geração anterior. Eles produziam respectivamente 190 e 250 cavalos. Já o novo V6 de 3,6 litros feito de alumínio e com duplo comando de válvulas variável na admissão e no escape traz 286 cavalos e 34,7 kgfm de torque. É força suficiente para que, com o controle de tração desligado, as rodas traseiras criem pequenas nuvens de fumaça e façam você sentir – mesmo que por pequenos instantes – uma ponta do espírito dos muscle cars.
Obviamente, o 300C não é nem nunca foi um muscle. Mas a agressividade exalada pela cara de mal da geração anterior tornou-se um dos ícones do design automotivo na primeira década do século 21, uma época em que a mistura entre referências do passado e vincos modernos virou regra de ouro na indústria americana. O modelo atual abriu mão do poder da imagem, suavizou seus traços e preferiu se concentrar naquilo que realmente importa para a maior parte dos seus consumidores: suavidade de funcionamento, conforto e segurança. Tornou-se um carro melhor, sem sombra de dúvidas. Mas rappers, jogadores da NBA e customizadores do SEMA Show já não devem lhe dar muita bola.
Muito já foi dito sobre a nova frente do 300C. Na primeira vez que vi, pensei “nossa, tá parecendo um Lexus” – e isso não é um elogio. Ao vivo e depois de um certo convívio, a sensação se atenua. O sedã ficou mais limpo e discreto, mas continua a ser uma visão imponente, principalmente em terras brasileiras, e se o novo formato dos faróis e da grade tirou um pouco do seu charme, no geral trata-se de um design bem interessante e característico, com linha de cintura alta, traseria relativamente curta, traços retos que chegam a dar alívio diante do exagero de curvas e sinuosidades dos dias atuais, e belas lanternas traseiras verticais.
Por dentro, apesar da boa qualidade de construção e do indiscutível upgrade no refinamento, ainda falta criar uma identidade de marca, alguma proposta de design que faça o passageiro pensar “yeah, estou em um Chrysler”. O painel possui instrumentos com um ar vintage ladeando o display digital do computador de bordo. A iluminação é azul clara, o que considero meio enjoativo, e o visor principal touchscreen – que agrega informações de navegação, áudio e configuração do carro – é de fácil utilização, apesar de não ter sido traduzido para o português. Os bancos, extremamente confortáveis, parecem feitos para acomodar americanos na faixa dos 100 quilos. Quem está com a balança em dia pode sentir falta de apoios laterais mais pronunciados.
Mesmo assim, a busca pela posição de dirigir ideal merece elogios. O ajuste elétrico do volante pode ser manuseado com o carro em movimento, e os pedais se deslocam para frente e para trás ao toque de uma alavanca. O teto relativamente baixo nos incentiva a abrir o teto solar panorâmico, as garrafinhas de água são acomodadas em porta-copos climatizados e o som Alpine com dez auto-falantes toca soul music com alta fidelidade. Feito isso, acionamos o botão de partida e iniciamos uma viagem bastante silenciosa, macia e sem vibrações.
Além do nível de ruído excepcionalmente baixo, a primeira coisa que chama a atenção é a grande espessura do aro do volante. Como minhas mãos são pequenas, achei isso um pouco exagerado – uma empunhadura mais modelada nas laterais resolveria o problema. Na estrada, a direção de assistência elétrica oferece peso adequado e relação (15,5:1) direta, com respostas rápidas e relativamente precisas mesmo nas acelerações e retomadas mais bruscas – um dos diferenciais dos carros de tração traseira, que não sofrem com o esterçamento por torque.
O Pentastar V6 faz jus a todos os elogios que recebeu da mídia do hemisfério norte, principalmente levando-se em consideração que é um motor “de entrada”. Os 34,7 kgfm só estão 100% disponíveis a 4.650 rpm, mas bem antes disso (lá pelos 2.000 rpm) a curva de torque já se mostra sólida o suficiente para incentivar as ultrapassagens. Com o pé embaixo, o giro sobe invariavelmente até os 6.400 rpm mesmo sem modo Sport, pertinho do limite de rotação. As mudanças da transmissão automática ZF E-shift de oito marchas são rápidas e quase imperceptíveis, e como não há indicador de marcha, um desavisado poderia até pensar que se trata de uma caixa CVT.
A Chrysler abriu mão do acionamento sequencial nos 300C importados para o Brasil. Os entusiastas tendem a achar isso um absurdo, mas no caso desse sedã focado no conforto, creio que realmente não faz muita falta. A resposta ao kickdown vem depressa, sem aquele atraso irritante do conversor de torque, e em descidas mais acentuadas a posição L do câmbio seleciona marchas mais baixas, para que o freio-motor cumpra seu papel.
Curvas rápidas e fechadas não são o habitat natural de um tanque com quase duas toneladas cheio de assistência (e às vezes anestesia) eletrônica. Mesmo assim, o 300C está longe de fazer feio. Os pneus Continental Premium Contact 2 de medida 225/55 R18 oferecem um bom equilíbrio entre conforto e aderência. A suspensão acertada e a distribuição de peso 52/48 minimizam o balanço e transmitem segurança, desde que você não se comporte como se estivesse num Lancer Evo. Nesse ponto, vale esclarecer algumas coisinhas sobre a plataforma do carro.
Quando foi lançado, em 2004, o sedã 300 estreou a plataforma LX da Chrysler. Ela foi desenvolvida na época da joint-venture DaimlerChrysler, e incorpora vários elementos da Mercedes. A suspensão dianteira do tipo duplo A (double wishbone) vem do Classe S da geração W220, enquanto a traseira multilink tem origem no Classe E da geração W211. Essa base foi levemente atualizada na geração atual, com braços de alumínio mais leves e novos ajustes para minimizar as saídas de traseira. Pode-se argumentar que ambos os componentes já fazem parte do passado na Alemanha, mas o fato é que, em curvas de alta velocidade, o carro se comporta muito bem, mesmo quando passa por irregularidades.
Falando em Europa, a Chrysler faz questão de lembrar que seu novo produto no Brasil oferece muitos dos confortos dos Classe E e Série 5, por um preço (179 mil reais) comparável ao dos sedãs compactos de Audi, Mercedes e BMW. Isso pode até chamar a atenção, mas no fundo não faz muito sentido. São públicos diferentes. Na tabela de importados novos, os concorrentes mais próximos do perfil do 300C parecem ser o Chevrolet Omega (292 cavalos, 161 mil reais) e o Toyota Camry (277 cavalos, 161 mil reais), ambos com motores V6, espaço amplo, vocação para a diplomacia e comodidades equivalentes.
Sob esse ponto de vista, o aspecto mais controverso desse carro – o novo visual – se transforma em trunfo. Perto do Omega e do Camry, o 300C esbanja personalidade e carisma. No final das contas, tudo acaba sendo uma questão de referência.
obs: mas e os motores V8? Segundo a Chrysler, eles ainda estão em processo de homologação – graças à excelente qualidade de nosso combustível – mas continuam firme nos planos para o Brasil, incluindo as apetitosas versões SRT. Vamos aguardar.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br
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