Mesmo sendo o povo brasileiro um tanto obcecado por design automobilístico, a ponto de bons carros encalharem nas lojas se não forem tão bem desenhados quanto concorrentes que podem ser tecnicamente piores, uma crítica feita com certa constância especialmente a modelos específicos para o Brasil e o Mercosul reside justamente em linhas mal executadas que façam o veículo praticamente gritar “sou algo feito para países em desenvolvimento!”.
Por isso, muitas vezes nossos olhos brilham ao simplesmente sabermos que um determinado carro é um projeto estrangeiro ou dele deriva, brilho esse que tem suas justificativas por estar muito associado a algo que esteja razoavelmente sintonizado com o que há de melhor no Primeiro Mundo.
Obviamente que um modelo feito para lugares mais exigentes tecnicamente e menos preocupados com design – e com vias menos esburacadas – tem de sofrer algumas adaptações para venda aqui no Brasil, não sendo incomum saírem superiores aos “primos ricos”. Sendo design o assunto deste texto, é nele que nos concentraremos:
Rural Willys X Jeep Station Wagon
Veículo cuja utilidade suplanta o design, tinha a inovação de ser a primeira perua com carroceria integralmente de aço. Ainda assim, a Willys-Overland americana resolveu levar isso muito a ferro e fogo, e o Jeep Station Wagon saiu com um desenho que basicamente lembrava um Jeep CJ5 com uma traseira mais familiar. O fabricante notou isso e em 1950 tentou amenizar essa sensação ao dar uma ligeira diferenciada com uma grade mais bicuda e com barras horizontais cromadas.
A produção aqui foi iniciada em 1956, usando muitas peças importadas. É de se imaginar que no Brasil um desenho tão rústico tenha incomodado quem tocava a Willys brasileira. Mas não era momento de se preocupar com isso, e sim com o aumento de nacionalização que o regime automotivo nacional da época pedia.
Tal necessidade gerou o mote adequado para embelezar algo cujo desenho bruto por si só. E assim foi feito, com uma grade que abandonava as barras verticais que iriam se tornar a marca registrada da Jeep, e cujo desenho bipartido por um V firmava uma assinatura estilística que persistiria na Willys brasileira (e inclusive na Ford, como veremos adiante). Em vez de um capô simples e lembrando um CJ, vinha outro mais reto e alto, com uma série de vincos e dobras e obrigando a uma mudança no espaço da caixa de ventilação, que também passava a ser mais alto. Para parecer visualmente mais larga, os faróis iam para as extremidades.
Acompanhando evolução do modelo americano, dançavam também para-brisa e vigia traseiro bipartidos. Na traseira, uma pequena elegância nacional nas lanternas, de orientação horizontal e bipartidas, contra as minúsculas lanternas verticais da americana.
O desenho bem solucionado ficaria com a mudança de marca para Ford em 1972 e seguiria assim até 1977, ano de sua despedida das linhas de produção. Desde 1966, os americanos andavam de Jeep Wagoneer.
Chevrolet C-14/C-15/C-10/D-10 X Chevrolet C/K de 1960 a 1966
Lançada em 1964, essa pick-up derivava do chassi da congênere americana produzida entre 1960 e 1966. As linhas de lá eram um tanto burocráticas, com setas montadas em um capô enorme com batente bem baixo e uma linha lateral côncava de comprimento integral. Já os faróis montados muito baixos geravam a sensação de sobrar lata demais acima deles.
Para o Brasil, acabaram sendo projetadas novas cabine e caçamba, que reinterpretavam os elementos originais, mas em novo contexto. Continuava a haver capô envolvente, mas este ficava menor e com batente mais em cima, o que a reboque tornou os para-lamas ligeiramente mais altos, mas mantendo o corte superior reto, assim como uma discreta “pestana” sobre o para-brisa. Mudava o formato das portas, com arco de vidro cuja parte traseira adotava ângulo positivo, dando uma sensação de movimento complementada pelo recorte das caixas de roda.
Na lateral do veículo, sumia o abaulamento logo abaixo do vidro e a parte baixa passava a ser discretamente mais larga que a superior, com bordas de para-lama mais parrudas para reforçar a sensação. A caçamba acompanhava as mudanças de linhas, mas havia a curiosidade de as lanternas daqui terem o mesmo formato oval da americana.
Nos primeiros anos, adotou-se por aqui a solução dos faróis duplos, uma referência à versão GMC e abandonados na reestilização de 1968. Em 1974, tentando distanciar-se do trauma que a menção do nome “C-14″ gerava em épocas de regime militar, passou a ser apenas C-10. Tais linhas foram mantidas com poucas mudanças até 1985, quando entrou a série 20, cujas linhas remetiam às da geração da C/K americana que ficou em linha de 1973 a 1987.
Ford Corcel I X Renault 12
O Projeto M, iniciativa conjunta da Willys-Overland brasileira e da Renault francesa, tomou rumos diferentes nos dois países de língua latina. Sobre uma mesma base, cada fabricante optou por fazer uma carroceria própria.O daqui veio primeiro, em 1968, um ano antes do primo rico. Em tempos sem internet, a maioria dos europeus provavelmente sequer se deu conta que o 12, moderno para a época, já chegava estilisticamente desmoralizado por algo projetado em um país onde muitos de lá possivelmente acreditassem que a população se transportasse principalmente por cipó.
Com pressa, a Ford lançou o carro com o estilo previsto pela Willys, apenas estampando seu nome em uma carroceria cujo V contínuo que começava no capô e terminava na grade completava uma frente bastante em dia com aqueles anos. Parte da visível genética da marca comprada só seria apagada em 1973, ano em que o modelo daqui ficava mais parecido com o Maverick. O 12 só seria reestilizado em 1975, ganhando uma grade de faróis retangulares que piorou um desenho que nunca foi gracioso.
Tanto lá como aqui havia três opções de carroceria, com a Europa sendo menos criativa, com sedã, perua e um furgão que basicamente era uma perua com chapas no lugar de vidros. Já por aqui tínhamos sedã, um elegante cupê e a sempre lembrada Belina.
Franceses ficam mais alegres quando o assunto é mecânico, com o 12 possuindo mais opções de motor que o Corcel, bem como a perua de lá possuía quatro portas, configuração que por aqui foi um longo tabu entre o fim da produção da Simca Jangada e o lançamento da VW Quantum.
Chevrolet Opala X Opel Rekord C/Commodore A
O modelo alemão, feito entre 1966 e 1972, parecia uma miniatura dos carros da GM americana. Na versão cupê, a preocupação com a fluidez das linhas chegava à caída do teto e o terceiro volume, que em vez de fazer uma pequena quebra como nos enormes cupês da terra do Tio Sam, fazia uma espécie de “Bangle butt” em tempos que o Chris da polêmica ainda jogava beisebol com outras crianças em Ohio.Porém, tão preocupados com a parte técnica, os alemães esqueceram-se de algumas arestas sem aparar, deixando o desenho pesadão. A frente quadrada e os faróis retangulares recuados davam um ar emburrado. Como para o Brasil o carro já ia mudar os motores, nada mais natural do que adequá-lo à identidade à época adotada pela Chevrolet americana.
E assim foi feito, com pequenas mudanças nas extremidades. Sumiam para-choques embutidos, assim como os faróis deixavam de ser recuados e passavam a ser redondos. As linhas da frente ficavam muito parecidas com as do contemporâneo americano Chevrolet Nova.
Já a traseira ficava mais limpa e ganhava lanternas inspiradas nas do Chevelle, com desenho que acompanhava a quina dos para-lamas. Apresentado em 1968, seu projeto em dia com o que havia no exterior também ganhava destaque em um segmento em que a disputa até então era entre Aero-Willys e Chrysler Esplanada, ambos visivelmente obsoletos.
Até 1975, tais linhas seriam mantidas em geral, com pequenas alterações como a migração das setas para a altura dos faróis. Foi quando uma reestilização mais extensa acompanhada de mudanças em motores trouxe capô de abertura invertida, piscas à Chevelle 1971 e lanternas com formato assemelhado às do Impala 1967, mas em dois pares e localizadas no recuo do estampo, como em um Corvair de segunda geração.
No mesmo ano, e com a Europa já no Rekord D, a GMB chutaria cachorro morto ao reaproveitar o ferramental da Rekord C Caravan, mas fazendo nossa Caravan ter uma traseira com caída lisa e mais harmônica que a cheia de vincos e reentrâncias da equivalente alemã. Nossa perua ainda ganharia em estilo na lateral esquerda, com a substituição da portinhola de combustível por uma tampa redonda e cromada, que gerava o problema de facilitar a formação de manchas de gasolina na lataria, fora preocupação com o escape virado exatamente para aquele lado, o que não acontecia na alemã, cujo escape era do lado direito e apontado para trás.
De 1980 em diante, a linha passaria a ficar mais quadrada e com frente inspirada em Chevrolets americanos do fim dos anos 1970 e começo dos 1980, como o Citation, e Rekord E alemão (traseira), com a maior parte dessa estamparia sendo aproveitada nas reestilizações de 1985, 1988 e 1991.
Tal solução dividiu opiniões pelo fato de se introduzir elementos mais modernos em uma carroceria da segunda metade dos anos 1960, com alguns considerando que aí sim o desenho do brasileiro ficou pesadão. O que fica inconteste é a traseira da Caravan, ainda mais lisa que a da alemã ao ganhar as lanternas trapezoidais.
Enquanto aqui a visão era mais bela, os europeus tinham a vantagem de poder contar com mais opções de motor, incluindo injeção eletrônica – como é o caso do Commodore GS/E que Charles Bronson esmerilha em Cold Sweat. Havia também mais opções de carroceria, como sedã de duas portas e perua de quatro portas.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br
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