A Hyundai às vezes parece um bando de caras com amnésia que por acaso produzem carros. Não consigo me lembrar de uma fabricante de automóveis que odeie tanto falar de seu passado como a companhia coreana. Todos sabemos que a Hyundai não era exatamente lembrada como uma marca que não fazia carros horríveis, mas já está claro que eles já deixaram os dias do Excel/Accent para trás e só querem olhar para o futuro.
O resultado é uma companhia totalmente livre de legado e tradição, e isso dá a eles a liberdade de tentar coisas que outras empresas se recusam a fazer. O Veloster Turbo é um bom exemplo disso.
No hemisfério norte, onde o Veloster Turbo está longe de ser um carro de rico – vai custar mais barato que Golf GTI, Focus ST e Cooper S – a ideia da Hyundai é ter seu halo car na base, e não no topo da linha. Eu pessoalmente adoro essa ideia, porque assim muito mais pessoas têm a chance de comprar o veículo mais criativo e pessoal de uma marca. Vamos combinar que o conceito comum de halo car (um modelo de impacto, feito para dar prestígio à marca) é meio que uma provocação – você vai para uma concessionária da Toyota, fica babando no LF-A (só um exemplo aqui) e volta para casa em um Corolla? É brochante.
Eu gostaria de ver mais marcas fazendo isso que a Hyundai faz. O Veloster Turbo passa mesmo a impressão de ser um halo car - ele é feito sobre uma plataforma comum, compartilha muitos componentes importantes com outros carros da linha, mas o chassi é exclusivo do Veloster.
O design geral realmente é diferente do que vemos por aí. Não tão diferente como a Hyundai diz, mas com certeza não é comum. A carroceria assimétrica de três portas consegue ser prática e divertida ao mesmo tempo. A Hyundai está apostando suas fichas no estilo do carro e, embora eu ache que eles poderia ter ousado ainda mais, é uma adição bem vinda à massa de carros cada vez mais iguais que povoa nossas ruas.
Dirigi o Veloster Turbo no trânsito, em estradas abertas e, o melhor de tudo, em um trecho sensacional cheio de curvas e colinas na fronteira dos EUA com o México. Em uma das bases de patrulha da fronteira acabei queimando um pouco de borracha na saída, então peço desculpas se acabei prejuducando nossas relações internacionais com essa demonstração de irresponsabilidade. Depois dos testes na estrada, pudemos levar o Turbo a dois circuitos de autocross – um convencional e um técnico.
Colocar um turbocompressor no Veloster básico foi uma jogada certeira da Hyundai. É como fazer foie gràs, mas em vez de forçar comida pela goela abaixo de um ganso para conseguir patê de figado, eles forçaram ar goela abaixo de seu motor quatro cilindros de 1,6 litros para conseguir 59% a mais de potência – 201 cv e 26 kgfm de torque. O fato de eles terem decidido fazer um Veloster Turbo já é um tanto surpreendente, tendo em vista o que eles me disseram: “nosso público alvo não se importa com potência”. Danem-se eles. Potência a mais faz diferença.
Por fora
Os riscos que a Hyundai correu com o visual “exótico” do Veloster valeram a pena, especialmente na traseira. O Veloster Turbo mantém o esquema de três portas e basicamente a mesma carroceria, mas isso não significa que não foram feitas mudanças. As lanternas traseiras agora exibem LEDs suficientes para iluminar uma árvore de natal, posicionados como em uma cachoeira (com LEDs maiores na base), e ficou bom. A janela traseira bipartida na horizontal me lembra um pouco o Honda CRX, e de certa forma é possível encarar esse carro como uma versão moderna do CRX: econômico e divertido. As duas saídas de escapamento na traseira agora são bem maiores, o que enfatiza a aura esportiva do carro.
Já a dianteira não me encantou tanto. É mais agressiva do que no Veloster normal, o que é apropriado, mas a enorme grade “bocão” que já virou tendência sempre me lembra do Ponda Baba, aquele personagem com a boca, digamos, estranha que aparece em uma das cantinas de Star Wars. E talvez as barras horizontais retas não combinem muito bem com o estilo “escultura fluida” do carro. Tem alguns detalhes legais em volta dos faróis, onde se juntam ao para-choque/spoiler. Os arcos dos para-lamas, bem gordos e pronunciados, dão ao carro uma postura atlética, e o perfil em cunha funciona bem, especialmente a linha de cintura, sem esquecer do detalhe da maçaneta traseira.
A paleta de cores do carro é boa, com algumas opções mais ousadas que um carro como esse demanda. Eu gostei do laranja, e também tem um cinza fosco muito legal. É bem bonito, mas deve dar mais trabalho do que cuidar de orquídeas. Você não pode levá-lo a um lava-rápido automático, não pode lavá-lo com esponjas normais (eles incluem um “kit especial de cuidados” para o cliente, que vem com uma toalha feita de pele de unicórnio albino, suponho) e, de verdade, acho que o melhor é nem olhar torto para ele. Ainda assim, é bem maneiro.
Por dentro
O interior do Veloster não e ruim, mas creio que, pela proposta do carro e pelo exterior musculoso, eles podiam ter ousado mais. A sensação geral é de amplidão, e o vidro traseiro dividido deixa uma impressão agradável, quase arquitetônica, a quem está dentro do carro. A parte de cima do vidro atua quase como um teto de vidro para quem está atrás e, se aliado ao teto panorâmico, o efeito é bastante arejado e aberto. É gostoso estar lá dentro.
Eles mencionaram, mas não cheguei a ver em algum dos carros, que o forro de teto é decorado com um padrão que se repete por todo o teto, o que é uma boa ideia em um carro desse segmento. Os bancos são firmes e oferecem bom apoio lateral, e o banco traseiro é realmente usável – não parece um castigo sentar lá atrás. Atrás do banco traseiro rebatível (com os bancos rebatidos, suponho) há um compartimento de carga com capacidade para 438 litros. Eu conseguiria me acomodar confortavelmente naquele espaço para um cochilo em posição fetal, se necessário. É aconchegante.
O painel tem um bom desenho no geral, formando um grande “V”, mas deixa a desejar nos detalhes. Ainda é uma massa de plástico cinza e preto – as partes mais altas do painel são bem agradáveis ao toque, mas à medida que se desliza a mão para baixo, a qualidade do plástico também cai. E talvez, de todos os Hyundai, esse seja o que ficaria melhor com algumas incursões da cor da carroceria no interior. O painel de instrumentos é bom, mas é o mesmo cluster usado no Elantra, e se eles querem mesmo que esse seja umhalo car, ele merece seu próprio jogo de mostradores. Há uma tela de GPS/multimídia de bom tamanho no console central, mas o ângulo do painel acaba a deixando constantemente sob a luz do sol. Esse problema era menos aparente no Veloster Turbo que nos outros Hyundai que dirigi, mas ainda assim irritante.
Aceleração
É aqui que o Turbo brilha (comparado ao normal), pegando um motor sem nada de especial e aumentando a potência para 125,6 cv/L – a maior entre os concorrentes nos EUA. No entanto, o motor relativamente potente é estrangulado com força pelo câmbio automático. O manual de seis marchas é bem melhor, mas mesmo que 30% dos Velosters saiam da fábrica com câmbios manuais, a maioria esmagadora das vendas será de automáticos.
Quando se chuta o acelerador do manual, a aceleranção é bem forte. Nada suficiente para machucar seu pescoço, mas mesmo assim nada mal. Ainda não soltaram os tempos oficiais de 0-100, mas o Turbo tem tudo para satisfazer nesse quesito. Já no automático (que também tem seis marchas), parece que quando você pisa, um robozinho move um indicador como naqueles velhos navios onde se lê “A TODO VAPOR” e só depois outro robô na transmissão percebe. Só isso explica o irritante atraso que senti quando afundei o acelerador. Você pisa no pedal, aí vem uma pausa, o carro respira fundo, e só então você vai. E isso acontece mesmo no modo “sport”. E se tornou irritante muito rápido.
Freios
O Veloster Turbo tem discos nas quatro rodas, como esperado, e as frenagens se fazem sentir eficientes. A dianteira dança um pouco ao se frear em alta velocidade, mas nunca de forma incontrolável. No circuito de autocross, com muitas frenagens curtas, não percebi nenhuma fadiga ou outro problema. As frenagens são competentes e apropriadas.
Suspensão
Fiquei impressionado com a firmeza e estabilidade do Veloster Turbo na estrada. Em piso normal, a suspensão é firme sem assustar, mas pode incomodar em superfícies irregulares. Ninguém deve sair por aí achando que esse é um veículo fora-de-estrada. Dirija como uma pessoa normal e você ficará bem confortável.
Comportamento
Mesmo em estradas bastante sinuosas e no autocross, a rolagem da carroceria era mínima, ainda mais falando de um carro relativamente alto. A direção com assistência elétrica é bastante boa. Firme, bem direta, com relação mais rápida do que a do Veloster comum (13:9 contra 14:2). Ele subesterça, como era de se esperar, mas você consegue sair de traseira em condições favoráveis.
Se guiado por diversão, ele se comporta bem, garantindo o entretenimento do piloto. Desconfio que com pneus melhores e um acerto na suspensão, ele se sairia ainda melhor. Para um carro com tração dianteira, ele impressiona. Foi bastante ágil no circuito de autocross; de vez em quando o chassi trepidava enquanto eu brigava para corrigir as saídas de frente, mas a direção precisa e rápida deu conta da situação na maioria das vezes. Há carros com melhor dirigibilidade nessa faixa de preço, mas o Veloster Turbo não precisa se envergonhar de nada.
Transmissão
Como já disse na parte sobre a aceleração, eu realmente não gostei da caixa automática. Na verdade acho que essa é maior falha do carro, mas felizmente pode ser eliminada em favor de uma manual. E você economiza uma grana.
Tenho a impressão que a caixa automática estava sobrando na prateleira, mas é durável e boa a ponto de a Hyundai continuar com ela até surgir algo melhor. Nessa era onde quase todo câmbio robótico consegue um consumo melhor do que um manual, uma caixa automática que ainda gaste mais é meio broxante. Senti um atraso irritante na aceleração inicial, e não houve um momento em que me senti satisfeito com a marcha que o câmbio escolhia. O modo Sport segura as marchas por mais tempo, mas para mim o único efeito foi um motor mais barulhento. Até experimentei as borboletas atrás do volante, mas estas também estão longe de serem satisfatórias.
O câmbio manual é anos-luz melhor para o carro, com seis marchar muito bem relacionadas e uma alavanca de curso curto muito boa. Havia uma trava de ré da qual não gostei muito, mas comparado ao automático, isso é uma bênção. A embreagem não é pesada demais, parece bem natural. Se você quer um Veloster Turbo, faça um favor a si mesmo e escolha o manual. Você não vai se incomodar com ele no trânsito, prometo. E você vai poder usar a grana que economizou na compra e na gasolina para pagar uma cerveja para mim, como forma de agradecimento.
Áudio
O 1.6 turbo da Hyundai é um bom motor, e tem alguns recursos interessantes – tempo de válvulas com variação contínua, coletor de admissão de plástico – mas seu som é totalmente anônimo. Se você o ouvisse em outro lugar, iria pensar que se trata de qualquer outra coisa menos um motor – um elevador, ou um robô embaralhando cartas em Las Vegas no ano 2080. O som simplesmente não é legal. Você pisa no acelerador, escuta o motor, mas é só um zumbido sem graça.
O sistema de áudio em si é muito bom, e fiquei sabendo que o carro tem 8 alto-falantes e um subwoofer de 450 watts. Não levei meu sistema de audionômetro para conferir, mas conectei meu iPhone e o som ficou bom. Sons externos são bastante reduzidos dentro do carro com os vidros fechados, e o som sem graça do motor nunca marca presença a ponto de você precisar se lembrar de ignorá-lo.Mas se colocar a cabeça para fora pelo teto panorâmico a mais de 120 km/h, aí você vai ouvir muito, muito barulho, e eu recomendo que faça isso pelo menos uma vez.
Mimos
Como era de se esperar de um carro com o público-alvo do Veloster Turbo, há uma boa seleção de brinquedos para um carro nessa faixa de preço. Há uma tela de LCD de 7 polegadas com GPS, e um sistema multimídia bem legal que conta com a rádio online do Pandora, reconhecimento de músicas e exibição da arte do CD, e que oferece a possibilidade de jogar o que o pessoal das relações públicas da Hyundai chama de “jogos de economia de combustível”. Não cheguei a jogar nada, mas deve ser algo como aqueles truques que os pais usam para fazer as crianças comerem aqueles vegetais saudáveis – e horrorosos.
Mas o que eu gosto mais na tela de LCD no console é que ela vem com cabos RCA, então você pode, em tese, ligar um Super Nintendo ou Playstation ou Wii ou qualquer coisa com saídas AV. E você conseguiria ligá-lo de fato, graças a um inversor de verdade e uma tomada comum de 110V no descansa-braço central. Então, finalmente, seu sonho de programar em BASIC no banco do carona pode finalmente se tornar realidade. E há uma câmera de ré que exibe imagens na tela de 7 polegadas, permitindo um pouco de voyeurismo em marcha ré.
O Veloster Turbo vem com uma chave com sensor de proximidade do qual, para ser honesto, não gostei muito. Nunca achei o processo de colocar a chave no contato tão ruim, então soou como uma solução para um problema que eu nunca tive. Além disso, como os jornalistas costumam trocar os carros entre si constantemente, é fácil demais sair do carro ainda funcionando com a chave no bolso, e acabar dificultando a vida do seu colega quando ele for tentar ligar o carro novamente. Já vi isso acontecer/quase acontecer várias vezes. Claro que é uma questão de se acostumar, mas existe um bom motivo para existir uma ligação física entre o carro e a chave.
Valor
O Velostar Turbo é uma boa forma de gastar seu dinheiro, se o que você busca é um carro prático para uso diário, mas que consegue ser único e razoavelmente divertido de se guiar. O preço começa em módicos 21.950 dólares nos EUA (cerca de quatro mil a mais que o modelo básico), e pode chegar a 24.450 com todos os opcionais (e mais mil dólares pelo câmbio automático, mas como eu já disse, você não quer isso, certo?). Por essa grana, você leva um carro que não vai te trazer problemas na hora de procurá-lo em um estacionamento lotado, com espaço para suas coisas e seus amigos, e uma boa seleção de equipamentos eletrônicos para te manter entretido. O consumo respeitável também conta pontos, pois tenho certeza que você quer gastar dinheiro com outras coisas que não suco de dinossauro morto.
No geral eu gostei do carro, e acho que a Hyundai está na direção certa. Ele tem suas falhas, mas pensando no público alvo, tem tudo para ser um sucesso. E eu já consigo imaginá-lo como um carro barato e desejável em 10 anos, então, se você comprou o cinza fosco, faça o favor de usar aquele pano cheio de frescuras que vem junto.
Fonte: Jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br/
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